O ALUNO José Paulo Paes (Poemas reproduzidos conforme a edição de 1947, respeitando-se a ortografia original) ÍNDICE Epígrafes Canção do afogado Drummoniana Balada O homem no quarto Poema descontínuo O engenheiro O poeta e seu mestre Carlitos! Muriliana O aluno EPÍGRAFES Incultas produções da mocidade Exponho a vossos olhos, oh leitores "Soneto I" BOCAGE Ah! vãs memorias, onde me levais O debil coração, que inda não posso Domar bem êste vão desejo vosso? "Canção XIII" CAMÕES ![]() CANÇÃO DO AFOGADO Esta corda de ferro me aperta a cabeça não deixa meus braços se erguerem no ar. E o mar me rodeia, afoga meus olhos. Maninha me salve não posso chorar! Minha mão está presa na corda de ferro e os dedos tocam a rosa que desce que afunda sorrindo nas águas do mar. Maninha me salve não posso nadar! Algas flutuam por entre os cabelos, meus lábios de sangue palpitam na sombra e a voz esmagada não pode fugir. Maninha me salve não posso falar! E a rosa liberta a inefavel rosa, vai longe, vai longe. Um gesto é inútil, meu grito e meu pranto inuteis tambem... Maninha me salve que eu vou naufragar! ![]() DRUMMONIANA Quando as amantes e o amigo te transformarem num trapo, faça um poema, faça um poema, Joaquim! ![]() BALADA Folha enrugada, poeira nos livros. A pena se arrasta no esfôrço inutil de libertação. Nenhuma vontade nem mesmo desejo na tarde cinzenta. A árvore sêca esperando seiva não tem paisagem. Na frente é o deserto coberto de pedras. Nem sombra de oasis. Pobre árvore sêca na tarde cinzenta! Se houvesse um castelo com torres e dama de loiros cabelos, talvez eu fizesse algum madrigal. Mas a dama morreu, os castelos se foram na tarde cinzenta! O caminho se alonga por entre montanhas, por campos e vales. Talvez me conduza ao roteiro perdido no fundo do mar. Mas estou tão cansado na tarde cinzenta! Não sou lobo da estepe; amo a todos os homens e suporto as mulheres. Contudo não posso falar com os lábios amar com o sexo, porque sinto a tortura da tarde cinzenta! Só me restam os livros. Vou ficar com êles esperando que chegue do fundo da noite, das sombras do tempo, oh! imenso mar vem me libertar da tarde cinzenta! ![]() O HOMEM NO QUARTO Teu protesto inutil tuas flores murchas teu violino facil tua vontade escassa, São frutos humildes são folhas perdidas que um sapato esmaga nascendo da sombra. Caminhas sem rumo por todas as ruas, não rasgas um livro nem matas o amigo. Cumprimentas mesmo com garganta sêca gestos tão longe que ninguem esboça. Meu coitado amigo... prende a tua mão antes que ela entorne a copa de sangue. Teus irmãos controem no ar atmosférico com pedras e luzes um berço pouco a pouco. Não podes manchá-los de sangue hesitante nem deves turbar o rítmo da aurora. Acende o cachimbo, eis uma poltrona. Começa a vigília sem impaciência, Até que outros braços, redentoras asas, venham colocar um lírio muito branco na página e no verso do teu melhor poeta... ![]() POEMA DESCONTÍNUO I A mão descobre volumes incompletos. No vidro encerrada a violeta não tem perfume. Ai, carne e sentimento se acreditais em futil guarda-chuva para o vosso medo! Há uma goteira sôbre minha poltrona. II Teu vestido branco bailando na chuva, era suave pluma para os meus sentidos. Mas a lei e o trilho levaram a dança e um cigarro triste me brotou dos dedos. Agora sem crença, procuro no ar, no jardim inutil, qualquer borboleta que da chuva esconda suas asas... III O limite do corpo. Depois, o limite dos outros. A porta disfarça órbitas vasias e rosas que nascem de gravatas rotas. O copo na mesa, o álcool no corpo, adolescentes ouvem a angústia do blue. Lá fora, entretanto, mórbidos despojos lembram vagamente um tempo guerreiro. Mas o adolescente está tomando gin... Somente o lixeiro na fria da madrugada sem espanto colhe com seu instrumento, as rosas e a música que boiam no vómito dos adolescentes. IV Quem bate na porta? Corvo de verdade, quinta sinfonia ou apenas vento? ![]() O ENGENHEIRO O homem trabalha entre a rosa e o trânsito. Ondas contínuas no seu dorso de pedra e nuvem. Martelos. No papel intacto há linhas fundamentos de aurora, estrutura de um mundo pressentido, linhas. As rosas se dividem por canteiros iguais e um pássaro pousou no arranha-céu. Quando o engenheiro terminar o sentimento e a planta, mãos frescas como folhas virão sôbre o meu corpo. ![]() O POETA E SEU MESTRE Tiro da sua cartola repleta de astros, mil sobrenaturais paisagens de infância. Sua bengalinha queima os ditadores, destroi as muralhas libertando os anjos. Calço seu sapato e eis que percorro a branca anatomia de pássaros e flores. Repito seus gestos de amor e renúncia de música ou luta, de solidariedade. ![]() CARLITOS! Teu bigode é a ponte que nos liga ao sonho e ao jardim tão perto. ![]() MURILIANA Corto a cidade, as máquinas e o sonho Do jornaleiro preso no crepúsculo. Guardo as amadas no bolso do casaco Almoço bem pertinho do arco-iris Planto violetas na face do operário. Conversando com anjos e demônios É o meu anúncio quem dirige as nuvens. ![]() O ALUNO São meus todos os versos já cantados: A flor, a rua, as músicas de infância, O líquido momento e os azulados Horizontes perdidos na distância. Intacto me revejo nos mil lados De um só poema. Nas lâminas da estância Circulam as memórias e a substância De palavras, de gestos isolados. São meus também, os líricos sapatos De Rimbaud, e no fundo dos meus atos Canta a doçura triste de Bandeira. Drummond me empresta sempre o seu bigode, Com Neruda, meu pobre verso explode E as borboletas dançam na algibeira. | VOLTAR AO LIVRO | ÍNDICE | |