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[trecho inicial]
encontrei no álcool um pai, desde a noite alagadiça em que as desculpas se converteram em candeias e negrumes. e fui educado para respeitar essas coisas de família. circundando a ilha
artificial, onde foram assentadas as muralhas da chácara, uma represa experimentava esconder em seu leito as vidas (e quiçá as mortes) de que não nos daríamos conta, embora as daqui de dentro não superem as outras em importâncias ou condolências, e mesmo a água, que latejando imprima ao ar a revolta de sua barriga ruidosa e inconveniente, que algum dia também sepultaremos em seus abismos os amados que ancoramos temporariamente na terra, luxuosas lápides que lacrarão as estruturas aniquiladas, passeios de submarino pela necrópole inundada, no dia de defuntos. ou é apenas o rumor da festa em seu trajeto de fim, não sei, embora nada vagalumeasse no céu quase desbotado, e aqueles olhos desamparados. os meus eram duas manchas alargadas pelo cansaço e a consciência de um único sono, quando a madrugada, abraçando o esplendor de
um início de dia, decida partir.
ainda é precária sua audácia de bêbado e a minha vista alcança somente o que não pode ver, e não vê o carvão fundido em
magma, mais um ou dois êxtases de chama e depois as cinzas, nem o balé do rabo hemofílico de um gato vadio, nem o capim
aspirando a espessa graxa da noite, nem a comida meio fermentada que você despejou de seu estômago aos pés de um
vulto que dorme ou morre, tampouco as artérias dessa laranjeira sem forças para sumir daqui. o verde sonolento da mosca
que suga os carcomas de buchos largados numa quina de grama, o alvoroço tardio da cerveja despejada no copo untado e
solene daquele que já nem sabe por que bebe. ainda em breve toda essa preguiça se mortificará com a raiva trazida pela pressa do esquecimento, ao se assemelharem à tropa uniformizada para a vistoria, que se apresenta ao comandante somente porque é hora. e a calda comprida do sangue que navega pelos canos congestionados da carne, em pesadas acelerações de surtos, quando o arquejar desse sono infrutífero finalmente ceder seu posto ao desespero. o trote, a faina das mesas em que alguém resiste ao enigma do baralho, vacilando entre o tédio e a vontade de existência, quantos tragos a mais? a cerca tomada pelas heras e curiosos labutando a fofoca do dia. o barco se debatendo na injusta armada rumo às pedras.
a corrida.
a energia represada e indócil apalpando o entulho do medo, recuperando desses destroços a compulsão saturada da dor. os
braços e as pernas se debatem em direção a uma praia, que areias e águas desistiram de encontrar. as mãos arqueadas
escavando as pequenas ondas e de vez em quando abandonálas, permitindo que a umidade assombre a respiração...
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